Crimes no chão de fábrica

Assassinato, lesão corporal, roubo, furto e os desperdícios na fábrica

Vamos fazer aqui uma analogia entre crimes e perdas na fábrica. Primeiro vamos associar cada tipo de perda a um crime. Depois falaremos dos custos, tangíveis e intangíveis, destes crimes; como podemos investigar os crimes e entender como, quando e em que circunstâncias ocorrem; como podemos prevenir os crimes. A ideia é usar as metáforas para discutir como algumas perdas chamam mais atenção que outras, mas num ambiente de produção sadio nenhuma deve ser tolerada. Com um pouco de humor aqui e ali, se me permitem brincar com assuntos tão sérios quanto crime e desperdício.

Analogia entre perdas e crimes

Assassinato = Sucata

O assassinato é um dos crimes que mais chocam e causam impacto na sociedade. Quando a quantidade de assassinatos variam muito – para melhor ou pior – isso vira notícia de destaque. É comum que os “índices de criminalidade” publicados pelo poder público destaquem os homicídios (e às vezes até restrinjam-se só a esse aspecto). Veja por exemplo o que divulga a Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina: Santa Catarina se consolida como o estado mais seguro do sul do Brasil

Na fábrica o equivalente ao assassinato é a sucata. Na indústria metalmecânica se ouve dizer que alguém “matou a peça”. Depoimento da testemunha: “o torneiro estava fabricando um eixo e errou a profundidade de corte. O diâmetro ficou menor que o especificado, e não teve como salvar – a peça morreu, foi horrível”. Quase sempre sem dolo – dificilmente alguém tem a intenção de matar a peça. Mas acontece bastante.

É um crime que é muito visível. “Tá lá o corpo estendido no chão”, como nos versos de João Bosco e Aldir Blanc. Em processos de injeção é comum ter um contêiner ao lado da injetora onde ficam as peças rejeitadas. Algo que incomoda por estar visível. São poucas as empresas que não medem e se incomodam com a quantidade de sucata que geram. Sua empresa encara esses “assassinatos” de forma séria e sistemática?

Lesão corporal = Retrabalho

A lesão corporal é menos destacada na sociedade que o assassinato. É um crime menor, mas que também tem impacto social. O ferimento causa algum prejuízo à saúde da vítima, que varia muito – desde uma necessidade de uma compressa de gelo e um curativo até uma longa internação, cirurgia, UTI etc.

Na produção a lesão corporal é o retrabalho. A peça precisa requer atenção extra, que pode variar desde um simples retoque de pintura a um processo de desmontar uma peça complexa para trocar ou ajustar um componente que não está funcionando corretamente. Se na sociedade as lesões corporais exigem a construção de hospitais e pronto-socorros, os reprocessos requerem postos específicos para recuperação das peças, testes adicionais para saber se as peças foram “curadas” das suas feridas, e apesar dos melhores esforços muitas vezes temos a lesão corporal seguida de morte – uma peça que é sucateada depois de um esforço de recuperação sem sucesso.

Peças recuperadas podem ser vendidas, mas como no caso das lesões corporais, às vezes deixam sequelas, que podem se manifestar somente depois que deixaram o “hospital” e foram entregues aos clientes. Em 2004, segundo o IPEA, o custo de tratamento dos internados por causas externas (acidentes, quedas, agressões e outros  – todos lesão corporal), foi de R$ 2,8 bilhões. Você sabe o custo real dos retrabalhos na sua fábrica?

Assaltos = Paradas

Quem presencia um assalto se assusta. Lugares em que ver um assalto é normalizado (e existem lugares assim, infelizmente) são lugares em que a sociedade não está bem. Quando o assaltante impõe outro tipo de violência, é ainda mais grave.

Uma parada de máquina é como um assalto. É visível enquanto está acontecendo – quem passa ao lado entende que é algo ruim. Na produção, se isso não chamar a atenção de quem está vendo, as paradas foram normalizadas e essa fábrica está com problemas crônicos. Na sociedade, terminado o assalto, você passa na mesma esquina e não vê resquícios do crime. Chama atenção na hora, só que não deixa resquícios facilmente visíveis.

Quem sofre um assalto vai à delegacia para fazer o Boletim de Ocorrência. Cada parada deveria ter seu B.O. registrado. Se forem tantas que não é possível registrar, ou se a sociedade acredita que fazer o B.O. não vai levar a nenhuma ação policial efetiva, o assaltado nem vai se incomodar em perder tempo para fazer o registro. Quando 95% dos assaltos não são solucionados, por exemplo. Sua empresa ignora os B.O.s? Ou eles nem são mais registrados? 

Furtos = Perdas de velocidade

Um furto é uma subtração de bem móvel de alguém que não está vendo que isso está acontecendo. É um crime que chama muito menos atenção do que os anteriores, e é comum que não tenham qualquer tipo de registro. Muitas vezes é normalizado, e as vítimas são comumente responsabilizadas por sua ocorrência – se você contar que deixou 50 reais no banco do ponto do ônibus ninguém vai se surpreender quando você contar que voltou lá e o dinheiro tinha sumido…

Se uma máquina pode produzir 100 peças por hora, mas produz apenas 80 peças em uma hora, sem que tenha ocorrido nenhuma sucata, reprocesso ou parada, não tivemos “crime violento”. Não percebi nada, nada especial aconteceu, mas fiquei sem o que era para ser meu.

Em 2020 o comprimento de cabos furtados no Brasil daria para cobrir a distância do Oiapoque ao Chuí, com sobras. Olha que isso é “longe pra dedéu”. Ninguém se feriu ou morreu, mas isso não pode ser ignorado. Os clientes de distribuidoras de energia, de telecom, semáforos e outros serviços são prejudicados – todos já sofremos com isso. E o custo para as empresas que tiveram os cabos furtados passa de R$ 1 bilhão. Quanto as perdas de velocidade estão reduzindo seu faturamento?

Conclusão

Na sociedade, todos os crimes citados causam perdas, tangíveis e intangíveis, e em uma sociedade ideal nenhum deles ocorreria; no mundo real não há sociedade sem crimes, mas em algumas elas ocorrem muito mais que em outras; nas melhores sociedades os crimes que ocorrem são investigados e se tomam ações para que não voltem a ocorrer.

Na próxima publicação dessa série vamos falar sobre os custos de cada um desses crimes na fábrica, e como podemos investigá-los para entender como ocorrem. Na última publicação da série vamos discutir as ações de prevenção. Adianto que nenhuma sociedade pode combater crimes que desconhece, não entende, ou sabe que existe mas ignora. Conheça o LiveMES e saiba os crimes que estão ocorrendo dentro da sua fábrica.

Até breve!
Paulo Narciso Filho

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